O século XX e a mudança de melodia

Luis Melodia

Luis Melodia

texto e imagem: Bernardo Rebello

O que marca, efetivamente, a poesia brasileira do século XX é a preocupação que grande parte de seus autores tiveram com a referencialidade. Os poetas desse período caracterizaram-se pela intenção recorrente de descrever o cotidiano em suas obras literárias, seja o vinculando ao passado do país, como é o caso de “Senhor Feudal”, de Oswald de Andrade, seja o relacionando ao indivíduo, como em “Os ombros Suportam o Mundo”, de Carlos Drumond de Andrade.

O início do século XX foi um período de grande transição ma literatura brasileira. O Modernismo surgiu como nova manifestação artística no país, em oposição ao Romantismo e ao Parnasianismo, e buscou tornar a linguagem poética da época mais acessível à população. Seja na escolha dos temas abordados, seja na maneira de escrever, os poetas do século XX escreveram de forma mais simples e objetiva, o que facilitou a compreensão de seus leitores.

A força da palavra

Buenos Aires - Argentina

Buenos Aires – Argentina

texto e imagem: Bernardo Rebello

A habilidade que tem um indivíduo em dominar a linguagem é uma fonte de poder na vida em sociedade. Normalmente, aqueles que detém conhecimento para fazer bom uso da palavra são respeitados por grande parte das pessoas, mesmo que não sejam compreendidos por elas. Esse tipo de comportamento inspira outra maneira de autoridade que não a que está ligada ao medo e à opressão. Nesse caso é a admiração que transforma esse indivíduo em cidadão de respeito.

No caso de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Fabiano, o personagem central, demonstra interesse por Seu Tomás da Bolandeira, pois este é culto como poucos com quem convive. Ele inspira autoridade não por ser rico ou violento, mas por ter conhecimento. A pessoa que é rude, geralmente, entende que a força do mando está na altura da voz, ou na chibata. Seu Tomás, ao contrário, obtinha respeito, por ter conhecimento. Ele pedia, não mandava.

Corruption as the major possibility to growth

 

 

Luiz Inácio Lula da Silva, former president of Brazil.

Text and photo: Bernardo Rebello

It has often been said that money is not the best way to help needy countries all over the world. There are those who also say that there is a lack of sustainable projects and local qualified staff to pull all the countries in need of aid out their eternal crisis. One of the reasonable answers for those affirmations is that there is no way to support those who do not want to help the others. If the authorities of those needy countries are not willing to give the example, avoiding corruption and establishing a fairer government, the solutions for their problems will only be for the short term.

It is reasonable to say that a lot of the crises on nations needing aid are linked with the relations they had, and have, with European settlers. Nevertheless, it is certain that the globalized world, and the growing interdependence among the countries, are pushing forward the agenda for a more balanced world, with more financial possibilities to overcome the tragedies of imperialism. If that intent is not valued and planned as something that could build a sustainable project, it will be hard to avoid a systemic crisis and never-ending tragedies.

Democracy is not something you can forge out of nowhere. Even in ancient Greece there were those who could not exercise their rights. One curious example of how complex this issue can be today is observed in the way democracy is working in South Africa. According to Stephen Freedman, specialist in Democracy studies, the high level of corruption in that country can be explained because politics is the easier and most probable way that black men can gain power, respect and money in South Africa. I do not think that this rationalization serves only to explain the corruption in South Africa and I also believe that this transcends the logic of race issues there and elsewher.

Undoubtedly, if you do not give the opportunity to social mobility, corruption will always be one major path to survive, gain and cocentrate power. There is much to share in the international community, and the countries that already achieved a great level of susteinable development  have the obligation to participate, share, and teach the others that did not went through, or completed, this process. However, if the government of any nation is unwilling, or incapable of maintaining an atmosphere of stability, it can be groundless investment to make. Not to mention the danger that there is in offering finance support for governments that do not have the capacity to honor their promises.

Mudanças de paradigma e a diplomacia brasileira

Presidente Dilma - Brasília DF

Presidente Dilma – Brasília DF

texto e foto: Bernardo Rebello

 

O mundo contemporâneo está em processo de transformação considerável. A ascensão dos países emergentes, sobretudo no contexto da crise economica de 2008, como possíveis representantes de uma alternativa para abrandar os efeitos financeiros negativos desse período demonstram que há , cada vez mais, a necessidade de reavaliar a limitada participação dos países em desenvolvimento no processo decisório internacional. O governo brasileiro possui uma estratégia clara, no que concerne às mudanças de paradigma que deseja observar em prática, e condizente com a realidade de interdependência sistêmica .

O fato de o Brasil estar em crise interna não significa que não há continuidade de uma grande estratégia política de longa continuidade. A ênfase no multilateralismo, característica dos governos posteriores ao regime de exceção, possibilitou a criação de organizações internacionais regionais, como a CELAC e o MERCOSUL, incentivou a criação de grupos como o BRICS e legitimou o engajamento brasileiro na reforma da ONU no que concerne à adesão permanente do Brasil no Conselho de Segurança. Essas ações são exemplos da estratégia brasileira, que, por intermédio de políticas revolucionárias, busca, a longo prazo, a correção de assimetrias históricas no âmbito das Relações Internacionais.

É evidente que a estratégia brasileira encontra desafios para obter êxito. Um deles é a baixa qualificação profissional de grande parte de seus cidadãos. Essa característica é fator substantivo para a análise das motivações que provocam disputas partidárias e a falta de continuidade de políticas externas em diferentes governos. A educação é propulsora do desenvolvimento, e, sem ela, não há possibilidade de manutenção de conquistas sociais. Programas como o Ciência sem Fronteiras fazem parte do esforço do Estado em investir em mão de obra qualificada e oferecer oportunidades de mobilização social para indivíduos com menor poder aquisitivo. Esse tipo de política reforça as credenciais do Brasil para convencer os países mais desenvolvidos a transferir conhecimento e favorecer a integração.

A conjuntura interna afeta profundamente a política externa do Brasil. Em um contexto de crise, as prioridades adequam-se, por um lado, às possibilidades do momento, o que influencia a continuidade estratégica de determinados avanços, por outro lado, não há transformação em uma sociedade sem que haja conflito e luta. A redemocratização do Brasil e o fim da Guerra Fria propiciaram maior aproximação entre governo e sociedade civil, o que possibilita participação mais efetiva da sociedade e afeta a formulação de políticas externas. O fortalecimento da democracia nacional legitima a estratégia brasileira que também visa a maior participação de países menos poderosos no contexto das Relações Internacionais.

É importante ressaltar que, apesar das rupturas e das instabilidades internas no Brasil, houve avanços que só poderiam ser obtidos por intermédio de uma estratégia elaborada e de grande dimensão. A habilidade para solucionar, de forma pacífica, as controvérsias internacionais, a maneira de inserção legitimista que busca evitar antagonismos no contexto externo e o pragmatismo brasileiro também são formas de demonstrar que há um pensamento maior na condução da política externa do país de maneira que haja distância entre o contexto interno e as ações externas. A criação do G-20 para substituir o G-8 como principal fórum de discussões macroeconômicas não exigiu pelo Brasil a extinção do grupo mais seleto. Isso comprova a abordagem principiológica do governo brasileiro em buscar alternativas de integração autônomas e mais democráticas.

As disputas partidárias no Brasil, dificilmente, deixarão de influenciar as políticas externas do país. Existe uma relação entre a consolidação democrática, no âmbito doméstico, e a busca da multipolaridade e da institucionalização do multilateralismo, no contexto externo. A grande estratégia brasileira, no que concerne à sua política externa, é revolucionária e deve ser implementada com paciência e planejamento, de maneira a garantir avanços contínuos, sem que, para isso, seja ameaçado tudo aquilo que já foi conquistado na história contemporânea pela atuação diplomática de um país que possui legislação constitucional para embasar sua atuação no âmbito das Relações Internacionais.

Brás Cubas, o cinismo e o desejo por poder

Rose

Rose

texto e imagem: Bernardo Rebello

Brás Cubas, como grande parte da obra de Machado de Assis, é caracterizado por possuir a ironia como forma de expressão literária. Nesse caso a ironia é mais explícita pois trata-se de um defunto autor que, por estar morto, já não tem qualquer preocupação moral com comentários que possam ferir os bons costumes ou as regras de etiqueta. Um exemplo disso é o momento em que o narrador, o próprio Brás Cubas, descreve a situação em que encontrou o deputado Lobo Neves na Câmara dos Deputados. Machado utiliza esse momento para discorrer sobre o cinismo disfarçado nas convenções da vida política da época e as situações contrastantes a que os homens de vida pública se submetiam, para alcançar seus objetivos.

No caso do trecho do encontro de Brás Cubas com Lobo Neves, este, o orador, guardava ressentimento daquele, pois, ele havia tido um caso com a esposa de Neves. Como defunto autor, Brás Cubas expõe ao leitor a contradição de seu comportamento nessa ocasião, onde ele age com certo remorso, mas que, em verdade, era apenas uma encenação para que sua conduta fosse digna de alguém que pudesse, no futuro, ser considerado para o cargo de ministro. Ele não sentia culpa, mas, sim, desejo por mais poder.

 

O Brasil no contexto da crise internacional

Texto e foto: Bernardo Rebello

As conquistas internacionais e o crescente reconhecimento do Brasil em âmbito internacional não significam que o país não está aberto ao multilareralismo, principalmente no que diz respeito ao relacionamento com países emergentes. Diante do desfavorável contexto de crise interna e externa, o governo da presidente Dilma Rousseff buscou diversificar suas estratégias e reforçou vínculos com países em desenvolvimento. O reforço do BNDES como incentivador do investimento internacional associado à cooperação Sul-Sul, a função importante desempenhada pelo governo brasileiro para viabilizar a criação do Banco dos BRICS durante a Cúpula de Fortaleza e a criação de um fundo de contingência para o enfrentamento de crises internacionais são exemplos dessas políticas.

O fato de o Brasil não antagonizar as potências mundiais, não sendo assim um risco para o equilíbrio internacional, e, sim, uma possível solução para os temas ligados às crises internacionais, não significa que o país não assume posições firmes contra atitudes inadequadas às suas expectativas políticas no âmbito das Relações Internacionais. Exemplos desse comportamento foram notados recentemente em casos como o pronunciamento da presidente, na ONU, quando se pronunciou contra a espionagem eletrônica da NSA (Agência de Segurança Nacional) norte-americana. A escolha desse fórum multilateral impeliu a formação de mecanismos internacionais de regulação rede mundial e a adesão do presidente Barack Obama no debate que tem como intuito discutir a regulação da internet por meio de regras mais severas. Posturas de autonomia do governo do governo brasileiro também foram assumidas nos conflitos na Líbia, Ucrânia, Síria e Gaza, de maneira a aumentar o valor de negociar com o Brasil.

As estratégias bilaterais, principalmente as ligadas a países de importância econômica de destaque na economia global, como é o caso do relacionamento com a China e com os Estados Unidos, são importantes para a política externa brasileira e ainda demonstram uma certa assimetria de poder entre essas potências internacionais, a qual favorece os chineses e os norte-americanos. No entanto a nomeação do brasileiro Roberto Azevêdo para a direção da OMC é um símbolo que demonstra que o “complexo de inferioridade” nacional é incondizente com a postura diplomática do país na atualidade.

A política externa brasileira tem refletido as suas conquistas e valorizado os potenciais do Brasil em temas de interesse comum e particular, com respeito às normas constitucionais brasileiras e à legislação vigente do Direito Internacional. Seja na sua contribuição para o aprofundamento da democracia no mundo seja na defesa dos interesses nacionais, a responsabilidade que o governo brasileiro tem é grande no contexto internacional atual. O discurso terceiro-mundista é ultrapassado e não condiz com a realidade da importante posição do Brasil no início do século XXI.

A chancelaria da presidente Rousseff, no que concerne a sua política externa, constitui pragmática continuação do trabalho realizado pelo governo de seu predecessor. Ainda que, em linhas gerais, os dois governos permaneçam similares, o impacto externo das ações do Brasil diferiu, significativamente, na atualidade. Depois de conquistar maior espaço no contexto internacional durante o governo de Lula, o país enfrenta maior resistência no âmbito externo. Essa mudança, no entanto, assim como o contexto de crise, não foram capazes de modificar o quadro de dependência externa que faz do Brasil uma potência mundial. O país tem assumido postura proeminente, condizente com o espaço conquistado, o que representa a superação do chamado “complexo de inferioridade” no que concerne as ações de sua diplomacia.

Não cabe mais ao Brasil ter atitudes terceiro-mundistas na medida em que o país é parte integrante do conjunto de países emergentes capazes de oferecer uma alternativa viável para solucionar a crise mundial. Medidas anticíclicas de cobate à crise de 2008, programas de transferência de renda, de combate à pobreza e à desigualdade, reproduzidos em países como a África do Sul e também na ONU, e a liderança exercida por um brasileiro na maior operação de paz na história das Nações Unidas, a da República Democrática do Congo, são exemplos de êxitos que reforçam as credenciais internacionais do Brasil atualmente.

 

O “Manifesto Regionalista” e a segunda geração do Modernismo

Foto e texto: Bernardo Rebello

O “Manifesto Regionalista” de 1926, de Gilberto Freyre, influenciou, significativamente, a chamada segundageração do Modernismo brasileiro, que, basicamente, desenvolveu obras sobre o Nordeste do Brasil. Nesse documento histórico, Freyre defendeu essa região a qual ele acreditava possuir a mais perfeita reunião do que era o Brasil nessa época. Segundo ele, lá estariam concentrados todos os traços das culturas que influenciavam Portugal, como a dos árabes, europeus, judeus e africanos.

Inspirados pelo estudo acadêmico de Freyre e por seu Manifesto, os escritores da segunda geração do Modernismo brasileiro expandiram a cultura do país por intermédio de obras literárias que descreviam o interior do Brasil naquele período de intensa transformação política e social. José Lins do Rêgo, Jorge Amado e Graciliano Ramos estão entre os principais autores dessa geração. Juntos, eles redescobriram o Brasil com histórias de engenhos, da incipiente formação urbana e do cotidiano brutal e árido do Sertão.

A Ilusão Americana – Antiamericanismo no século XIX

foto e texto: Bernardo Rebello

O posicionamento de Eduardo Prado sobre o Brasil do final do século XIX era antiamericanista. Ele acreditava que a recém proclamada República do Brasil iria rumo ao caos, caso acreditasse nas promessas de apoio e proteção dos estados Unidos, país em ascensão na época. Segundo Prado, além de capitalistas imorais, os norte-americanos eram oportunistas e não pretendiam fazer concessões a ninguém, a menos que obtivessem vantagens para isso.

 

Eduardo Prado não era antirrepublicano, ele até acreditava que havia vantagens na República. Membro da elite cafeicultora dessa época, Prado recebeu críticas, por se posicionar contra os estados Unidos, porque acreditavam que ele temia perder o prestígio e a vantagens que ele, assim como vários membros de sua classe social na época, obtiveram na monarquia. Em contrapartida, as críticas que Prado escreveu em seu livro A Ilusão Americana deixam claro porque os Estados Unidos não deveriam ter credibilidade na América Latina.

 

Adeus Paulo, “o construtor de estradas”

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(Paulo Rebello e Lena Rebello / foto: Bernardo Rebello)

 

Ontem foi o dia dele.

Meu avô, velho Paulo, foi casado 63 anos com nossa avó, a velha Lena. Tiveram dois filhos e seis netos.

Ela é decoradora, espevitada, daquelas pessoas que pensa depois que fala e que distribui sorrisos doces e agradáveis. Possui uma graça engraçada, um humor instável que assusta um pouco às vezes e que faz dela aquelas pessoas que não tem cerimonia para derramar as próprias lágrimas.

Ele, como definiu meu primo, era um “construtor de estradas”. Sujeito calmo, presença plácida, elemento familiar de autoridade e comunhão. Não precisava mover os lábios para estabelecer a harmonia dos encontros familiares. Nunca nenhum dos primos saiu no braço ou tivemos discussões acaloradas.

Ele e ela construíram uma chácara simples de tijolos nos arredores de Brasília que nossa família chamava de “Mansão”. Foi lá que o velho Paulo preencheu nossas mentes de fantasias e, como bom “construtor de estradas”, pavimentou as vias para que seus netos conhecessem melhor suas origens e seu universo.

Foi nessa “Mansão” que o velho ensinou a todos seus netos a cutucar com varas os jamelões maduros, a encontrar as amoras mais doces, a subir nos pés de jaca, a temer as cobras que se escondem nas bananeiras e, principalmente, a lambuzar a face inteira com todos os tipos de manga de suas mangueiras.

Lá conhecemos também o cupuaçu, umbu, cajá, graviola, pitanga, jambu, tamarindo e até a pitomba. Como caboclo que era, o nosso velho gostava de creme de abacate e açaí com farinha.

Foi nesse universo que todos os netos descobriram o amor incondicional pelos cachorros, no meu caso, especialmente os vira-latas. Tinha cachorro de raça, de rua, hiperativo, gordo, magro, grande, lento, agil. Uns vinham só para comer e cruzar e nunca mais saiam do aconchego da “Mansão”.

Eram batizados como “Dólar”, “Brisa”, “Che” e até o comandante “Fidel” fez parte da família. Tinha até cachorro paralítico curado sem veterinário, gato de rua e siamês de alta sociedade. Minha cadela, a “Capitu”, que até hoje me acompanha e me anima, foi um presente dos meus avós para me fazer companhia durante a minha jornada de quase 3 anos no Rio de Janeiro. “Capitu”é filhote da saudosa “Furreca”, uma das vira-latas que apareceram por lá já prenhas em busca de acolhimento.

Foi na ‘Mansão” que aprendi a jogar futebol com meu avô, meu pai, o caseiro Domingos, os amigos e colegas. Até hoje escuto os gritos do meu pai: “Vai Bernardo!!”, “Corre Bernardo!!”, e me lembro das grandes defesas do irmão do meu pai, meu padrinho, que fechava o gol impedindo que nós perdêssemos por goleada.

Meu avô montou um campo de futebol com goleiras do tamanho das do Marcanã na nossa “Mansão”. Era o centro de treinamento do meu time de futebol e dos meus amigos, o chamado “Juventude azul”. Tive dificuldade de dormir por varias vezes à espera do dia seguinte, onde jogaríamos um contra na “Mansão”.

Por varias vezes o velho Paulo botava a bola pra frente quando eu não tinha com quem jogar. Mesmo sem ter a força suficiente nas pernas para fazer um gol, nós dois batemos uma bola, no toque e no passe por varias vezes.

Meu avô veio do norte, como dizia ele: “Eu sou do Acre”. Não gostava de briga, mas, como já disse, tinha autoridade e espírito aventureiro. Honrando o sobrenome de origem portuguesa, dos chamados barcos Rabelo, começou a navegar cedo na vida.

Antes dos cinco anos de idade desbravou as águas dos rios da Amazônia em sua pequena e humilde embarcação, uma bacia de metal que sua mãe e 4 irmãs mais velhas usavam para lavar roupa. Valente, sem remos e sem velas, enfrentou o fluxo das águas sem perceber seus perigos até ser resgatado por uma comunidade que temia observar a trajetória de mais um herói trágico. Os ecos dessa aventura, no entanto, continuaram a reboar ao longo de sua vida.

Também foi cedo que deixou o aconchego do lar. Saiu do Acre antes dos 18 por causa “dos estudos”, como dizia ele. Morou sozinho, na casa de outros familiares, brigou com seu professor de cálculo, desistiu de estudar, voltou atrás, foi pedido em namoro por sua futura mulher, a alemoa e velha Lena, que, por volta dos 20 anos de idade, pegou ele pelo braço e perguntou: “Escuta aqui Paulo, você gosta de mim?”

Os 63 anos de casamento foi a resposta do meu avô, que mandou a espertinha para o Acre, sem que ela conhecesse ninguém da família, e casou-se com ela via procuração, pois ele mesmo não chegou a tempo para dizer alguma coisa na cerimônia. Não chegou a tempo porque ele tinha que se formar na Universidade de engenharia, se não me engano.

Nunca vi os dois baterem boca. Meu avô nunca admitiu tratarem mal a mulher dele. Mesmo ela tendo sofrido grande influencia da Derci Gonçalves e seus palavrões, viver pegando no pé dele, nunca ter largado o cigarro e ter levado a irmã dela para morar com eles. Ele dizia: “não fala assim da minha mulher”.

Viveu boas aventuras. Quando garoto, sobreviveu ao tétano e outras doenças fatais na época. Seu caixão foi comprado em uma das ocasiões em que todos acreditavam que sua morte era certa. Matou cobra na paulada, conduziu peões por entre as matas, dormiu lado a lado com uma onça no meio do nada.

A história dele que eu mais gosto foi quando saiu numa noite para bagunçar com os amigos e lá se aproximou de uma bela jovem. Os amigos brincavam, as provocações começaram a tomar conta, os drinks começaram a ser oferecidos, uma curtição da rapaziada. Quando a noite tombou e chegou a hora das caricias do amor, o velho Paulo se oferece para conduzir a dama até o leito. A cadeira foi afastada, a dama se ergue com o apoio de apenas uma perna. Ela pega a muleta e olha meio sem jeito nos olhos do jovem caboclo engenheiro do Norte. Faz-se um silêncio entre os amigos. Velho Paulo sem pensar duas vezes, pagou a conta e conduziu a donzela até seu dossel.

Quando um de seus netos nasceu, lá pelos 40 anos de idade, decidiu parar de fumar. Pegou a calculadora e, como bom engenheiro, descobriu que tinha consumido em fumaça uma metragem suficiente para uma viagem de ida e volta a Anápolis, onde ele acabara de construir boa parte da base da Aeronáutica ali situada. Naquele dia ele colocou uma carteira de cigarro no bolso para, segundo ele, saber que tinha a fumaça caso o vicio fosse irresistível. Nunca mais fumou. Morreu de câncer nos pulmões 40 anos depois.

Sentirei imensa saudade da presença silenciosa de meu avô, espécie de peregrino que carrega reflexões e que não abria a boca para maldizer ninguém. Mesmo tomado pelo câncer nos pulmões, nunca ouvi meu avô reclamar de dor ou de nada. Nunca pediu para minha avó parar de fumar os vários cigarros diários dela. Nunca deixou de sentar na cabeceira da mesa e conduzir a orquestra com o silencio de um maestro que já nem precisa levantar a batuta para harmonizar agudos e graves. Mesmo quando já não havia forças, escutou pacientemente a conversa de todos e as provocações de sua amada. Foi generoso até o fim e nos preparou com calma para a nossa despedida. Lutou por mais de um ano contra uma metástase.

Vai com Deus Paulo de Abreu Rebello. Sempre guardarei as lembranças de tudo aquilo que você disse sem dizer nada.

 

Bernardo Rebello

“No Brasil, a escravidão é uma fusão de raças; nos Estados Unidos, é a guerra entre elas”

Foto: Porto Alegre (Bernardo Rebello)

Texto: Bernardo Rebello

A escravidão no Brasil e nos Estados Unidos foi, junto com o cultivo latifundiário extensivo e a sociedade estamental, um dos principais pilares de sustentação dos interesses das metrópoles europeias em suas colônias americanas. Embora essas semelhanças tenham ocorrido nesses modelos de exploração mercantil, duas particularidades nesse contexto histórico revelam os motivos da miscigenação racial em um dos países e o histórico conflito entre negros e brancos no outro.

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar a dimensão da colonização de povoamento que ocorreu nos Estados Unidos. No caso do Brasil, a colonização foi de exploração, com reduzido número de emigrantes europeus. A outra particularidade é a respeito dos colonizadores. No caso dos Estados Unidos, que contaram com a emigração em grande quantidade de comunidades relativamente organizadas, semelhanças e diferenças foram acentuadas, de modo que os interesses comuns foram fortalecidos e os mais fracos excluídos. No caso brasileiro, na época sob o domínio de uma monarquia menos poderosa, a mistura racial foi a solução para ocupar o território e sobreviver na América.

 

 

O Brasil, a América Latina e a desigualdade

foto: Fórum Social Mundial – Porto Alegre (Bernardo Rebello/)

texto: Bernardo Rebello

A estabilidade social e política de uma nação depende, intrinsecamente, de sua estabilidade econômica. Países em que a renda e o capital estão concentrados e sob o domínio de poucos apresentam altos índices de violência e de violação de direitos humanos. A América Latina, detentora de cerca de 9% do PIB mundial, segundo o economista francês Thomas Picketty, é um triste exemplo desse desequilíbrio. A acumulação de capital por uma parcela muito minoritária da população não revela, apenas, as desigualdades explícitas na sociedade latino-americana, mas também eternizam-nas. Quem detém o capital terá seus lucros. E se essa cobiça desenfreada dos poucos não tem limites, só resta à política combatê-la para amenizar essa discrepância.

Os projetos de integração da América Latina, como o MERCOSUL, a UNASUL e a CELAC são, além de exigências de um mundo globalizado, uma das mais importantes plataformas de combate pacífico das desigualdades históricas na região. Nesse âmbito, é razoável que nações que detêm mais recursos, em um contexto de países com riquezas também bastante desiguais, contribuam mais para a solução de problemas comuns. Isso não só traz legitimidade por intermédio do serviço aos mais necessitados, mas também transfere maior responsabilidade para aqueles que têm melhores condições para coordenar as políticas necessárias para o desenvolvimento comum.

No caso do processo de integração da América Latina é difícil reconhecer outra nação que seja mais legítima que o Brasil para exercer a liderança regioal. Pautado por princípios democráticos e de não intervenção em questões de soberania nacional, o país reúne não apenas as condições ideológicas e constitucionais necessárias para liderar, mas também os aspectos financeiros e geopolíticos para investir mais, facilitar o comércio entre nações dos blocos e, consequentemente, integrar a América Latina.

Além de possuir a economia mais pujante e diversificada nessa região, o Brasil é o país que possui o maior número de fronteiras com nações da América. Não assumir uma posição de liderança nesse contexto poderia até ser considerado um ato de descaso perante seus vizinhos e para com o processo de exploração que, devido a múltiplas semelhanças, auxílio a criar uma identidade comum nas sociedades latino-americanas.

É importante ressaltar que, em qualquer instituição que busque a igualdade de direitos, deve-se ter cuidados com as peculiaridades e idiossincrasias de cada país-membro. Nesse contexto, o respeito à soberania é de suma importância, no caso do Brasil, é um princípio constitucional que rege as relações internacionais da nação, o que não significa ser omisso nas diferenças.

O governo brasileiro, por diversas vezes, emitiu seus pareceres e opiniões sobre questões particulares de países dos blocos, às vezes até partiu para ações políticas, como demonstram o apoio à suspensão do Paraguai no MERCOSUL, em função das políticas não democráticas que retiraram o presidente desse país do cargo para o qual foi eleito por sua população, e o apoio crucial da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a estabilização do Haiti).

O Brasil também foi tolerante em outros processos históricos que criaram tensões no que diz respeito à democracia, princípio e cláusula contratual no processo de integração regional. Nesse caso, vale ressaltar a reação do governo brasileiro perante a apropriação do governo boliviano aos bens da PETROBRAS nesse país e a distância relativa do governo do Brasil nos recentes conflitos sociais na Venezuela.

Se, por um lado, a liderança brasileira é algo que possa facilitar a solução de problemas comuns e promover o desenvolvimento regional da América Latina; por outro, é improvável que o país a exerça sem o aval dos países-membro dos blocos, que, unidos, representam a imensa maioria, em termos populacionais, da região.

A solução do processo de integração latino-americano é algo complexo e que envolve políticas diversificadas. A quantidade de países da região, e a diversidade presente nos mesmos, podem representar um empecilho caso a cobiça das minorias detentoras das grandes riquezas não levem em consideração a perspectiva histórica e comum da região. Assim como a renda, a pobreza, a fome e a falta de oportunidades de mobilidade social também podem eternizar a concentração de capital, e, com isso, eternizar também a repressão, a revolta e a violência.

“A causa secreta” de Machado de Assis

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Foto e texto: Bernardo Rebello

Em “A causa secreta”, conto de Machado de Assis, o autor faz uma crítica a respeito da condição humana. A ironia, mecanismo de retórica utilizado na obra, é empregada para apresentar as motivações sádicas de Fortunato, personagem central, que, ao se comportar de maneira solidária e abnegada, consegue atender aos próprios desejos de se comprazer com o sofrimento alheio.

Influenciado pelo realismo, o escritor construiu a narrativa de forma objetiva e sem mecanismos que possam confundir, facilmente, o leitor. A ausência de idealização e de romantismo também caracteriza essa obra literária centrada na contraposição entre a essência e a aparência das pessoas.

A crítica de Machado nessa obra demonstra como comportamentos moralmente corretos podem servir de disfarce para esconder motivações inaceitáveis para a sociedade. Aos mais tolerantes, a leitura desse texto pode evidenciar a realidade do sadismo e provocar um profundo exercício de autoconhecimento.

Paradoxes and development in “Belíndia”

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Foto: Bernardo Rebello

“Brazil is still one of the world’s most unequal countries. Its murder rate rivals Mexico’s. Public health care is a lottery. Fewer thanhalf its pupils leave school fully literate. But it is no longer Belíndia. In the past quarter-century a better labour market and a basic social safety net have cut poverty by two-thirds. In the past decade the income of the poorest 10% of Brazilians has almost doubled in real terms, whereas that of the richest 10% has grown by less than a fifth. Brazil’s Gini coefficient, a measure that expresses income inequality, is at a 50-year low. But “there is a sense in which Brazil is still Belíndia,” says Marcelo Neri, the president of IPEA, a government-funded think-tank: ‘A rich country that’s growing like Belgium—that is, slowly—and a poor one that’s growing fast, like India.’” (The Economist, September 28th 2013)

It is often said that Brazil is a country of paradoxes. Economically speaking, the pace of development has never been equal in all Brazilian regions, and there are many states where modernity and extreme poverty coexist side by side. In fact, Brazil was once labeled as “Belíndia”, a place where both the wealth of Belgium and the poverty of India can be found. According to the Brazilian economist Edmar Bacha, who created the word Belíndia in the 1970s, this concept refers primarily to income inequality. More recently, other types of Belíndia have been identified in Brazil as well. One of them is that of Marcelo Neri, the president of IPEA, a government-funded think-tank. In his view, there are two speeds of growth in the present Brazilian economy, one as slow as Belgium’s and a second as fast as India’s. Although the two Belíndias seem to concern different topics, the picture described by Neri only became possible because Brazil has been tackling the problems previously denounced by Bacha.

Despite dating back to the 1970s, Bacha’s Belíndia is a concept that remains accurate to describe two sorts of challenges currently facing Brazil. First, society is still very unequal, as those at the top of the income scale are still a tiny minority. Taking into consideration that Brazil is the sixth most populous country in the world, the metaphor of a small Belgium and a huge India is still representative of the country’s inequality. Second, Brazil’s infrastructure problems are quite similar to those existing in India, but the elites who pretend to live as though they were in Belgium simply do not seem aware of that. For instance, they do not take crowded buses every morning, their sewage systems work well and the private hospitals they go to increasingly look like elegant shopping centers.

However, it is important to underscore that other aspects of Bacha’s concept do not apply to Brazil’s context any longer. For instance, public policies concerning income distribution have changed dramatically in recent decades, resulting in a completely different situation than that of the 1970s. During Brazil’s military dictatorship (1964-1985), economic growth depended heavily on income concentration, as fast industrialization required businessmen rich enough to partner with the State in costly enterprises. In the 21st century, a whole new paradigm for economic development has appeared. Income distribution is now playing a key part in bolstering Brazil’s domestic market, a policy whose benefits became evident in 2010, when the country rapidly recovered from the world economic crisis.

Even so, for a country as complex as Brazil, economic progress may never be a straightforward march. Four years after announcing that the country was “taking off”, The Economist newspaper modified its view with another headline, which asks the following: “has Brazil blown it?”. The article correctly points out that such pressing problems as excessive public spending, high taxes, precarious infrastructure and corruption are among the main
reasons why Brazil’s growth has slowed. Although not disagreeing entirely with the text,Marcelo Neri has creatively retorted that the idea of Belíndia remains valid to explain Brazil’ssluggish growth. In his words, Brazil is both a “rich country that’s growing like Belgium—thatis, slowly—and a poor one that’s growing fast, like India”. By adapting Bacha’s catchy word to a new context, Neri wants to underscore/ highlight the dynamism of Brazil’s domestic market, especially the part of it depending on consumption by the middle class.

Thanks the 21st-century policies of income distribution and despite the structural economic problems that the country still faces, Brazil is no longer Bacha’s Belíndia. Yet, it is not a rapidly-growing emerging economy of the Asian type either. In order to achieve a more sustainable pace of development in the near future, Neri’s point must not be missed: the decrease in inequality has given birth to a new middle class, the size of which is metaphorically comparable to India. Hopefully and with the appropriate incentives, this may be the first sign of a more innovative and entrepreneurial private sector for Brazil.

An overwiew over Mrs Rousseff´s government

alternative

Who controls the house?

An overview president Dilma Rousseff’s two years of government.

Bernardo Rebello

It cannot be said that there have been a lot of changes in the Brazilian federal governments scenario over the past two years until now. It is true that the recently elected president Dilma Rousseff made all kinds of political gestures in order to avoid any rebuke to president Lula, her patron and main responsible for her victory. Even though the new president has eschewed bold gestures, it is possible to say that she is trying to recast the national government into her own style. The questions that arise in that perspective are if wheter she is going to be able to push through the reforms that her country needs.

Indeed there are signs that Mrs Rousseff is laying the ground work to be able to make a more ambitious agenda. Her appointments are a representative mark on this overview. The nomination of Maria das Graças Foster as the new president of Petrobras, the state-controlled oil firm is an example of it. With more than 30 years of experience in the company, her rising to the top job in one of the main areas of investment of Brazil made a big impression, even though the shares of the company fell in 2012.

Moreover, we can see that the new president is proposing other deals as regards pension reforms, as she had sanction a law on the sector this year, sttoping deforestation and dividing the proceeds from offshore oil between the states and the federal government. Although the president only made one important reform pass through congress in her first year in office, the hole context was favorable to her during 2012. She made relevant decisions by vetoing parts of the new Forest Code and the division of royalties of Brazilian petrol. The country has so far weathered the global economic storm and her Economy Minister predict an expansion of Brazilian GDP to something around 4% in 2013.

Meanwhile, in the political arena, the view is not so different. While the country faced the “mensalão” trial, a bribery and corruption process involving well known Brazilian politicians in Lula´s government, president Rousseff maintained her popularity. Recent polls from IBOPE, a Brazilian research institute, revealed a 62% approval rate of her government in last December.

This result can encourage the president to cull part of her wieldy coalition. Six out of the seven most powerful and representative parties in the Congress are in her parliamentary base support and occupy important roles in her cabinet, voting together in general but with different interests as well. The opposition has less than 100 politicians out of 513 in the lower house. Divesting herself of the troublesome allies could make the president stronger on her causes.